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domingo, 22 de agosto de 2010

Miserável andarilho
- anda sem rumo na vida,
não carece de espartilho
para tornar real a ferida.

Procura em tudo e em todos
a sobrevivência que lhe é usurpada.
Encontra no fundo do poço
a mais pura amostra de água.

Esconde-se sob os ladrilhos do mundo
e necessita da piedade do céu
para que um deslize, n'um segundo,
torne-lhe de vagabundo a condenado réu.

Mas vive uma vida sadia
- sendo que é tão real com o patrão
quanto com a mais puta vadia,
a dividir, sem remorsos, o pão.

Pior que qualquer um destes é
aquele que vê tão indelicada sina
e, como quem só à própria vida quer,
sem pesar ou pensar - apenas vira à esquina.


Da Impiedade Humana

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Ao me ver perseguir-te,
E o fazer com tremores,
Escalda-me a face ao fel
Constrangida de tantos rumores.

De tanto fugires procedes
A um deus desgabador
Que a tua pele fere,
Dando-te curso superior.

E o fazes com tal destreza
Que a minha ninfa princesa
Torna-se monstro usurpador.

Usurpa em ti a beleza d'outrora,
Convertendo-te a uma cotada senhora
Infiel ao nosso curso fundamental
[inferior.


antiquu usurpare
17/11/2007

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Que dirá de mim artista?
Sentado à beira da pista
de carona, pedindo ao desconhecido
para que em meu peito faça seu abrigo.

Que dirá de mim atleta?
Correndo feito pateta
de corpo são e mente mais sã ainda
sem saber onde essa estrada termina.

Que dirá de mim doutor?
Prescrevendo dos outros quem sou,
frequentando asilos d'outros amigos,
diagnosticando a cova que será meu jazigo.

Que dirá de mim poeta?
Escrevendo a dor que se sente
em um coração, relicário demente,
a sina de ser indelicada seta.


Do vazio d'agora