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sexta-feira, 15 de outubro de 2010


Virgínia lançou-se a mim, quart'adentro,
com seus trinta e dois quilos de pura
elegância, minissaias e pequenas blusas
escolhidas em desacordo com o soutien
- nunca presente.

Eu, em mais um dos meus etéreos momentos
de ódio e ode ao mundo,
não prestei muita atenção aos seus cabelos,
mais sujos que de costume,
e às cicatrizes mais recentes,
que se vinham acumulando ao longo do pulso.

Não era uma garota triste,
eu bem sabia.
Só não gostava muito da vida
ou achava isso.
Perdia-se todo, seu senso de existência própria,
quando não se dava aos bares, às esquinas.

Virgínia, que conheci ainda menina,
agora era rejeitada pelo mais ignominioso
bêbedo de toda a cidade.
Não eu.
Vinha a mim sempre em busca de cama,
comida ou drogas.
Nunca por sexo, banho, diálogos
ou outras delicadezas tais.

É. Não era por completo imperfeita.
Aprendera com a vida bandida
que coxas, vaginas e peitos falam mais
que garganta, língua e lábios.
E que esses últimos podem ser usados
para ofícios mais proveitosos.

Desta vez não me trazia a agitação
dos lugares, dos sons, dos pênis
pelos quais passava.
Às vezes era mesmo contagiante
vê-la adentrar meu humilde recinto
portando aquele sorriso imodesto
de quem é pura e simplesmente felicidade
- que muitas pessoas sustentam
na cara.

Havia consigo apenas a resignação
à inevitável depressão
que se sente após dias ou semanas
de abuso dos prazeres mundanos.
Que é como se a vida toda se tivesse ido
ao curto desses longos dias e noites
e não restasse mais o que fazer,
a não ser espreitar a morte
- tarefa de todos nós.

A Virgínia, talvez, nem mesmo isto
restasse.
Não disse que meus textos a apraziam,
enquanto fingia que os lia atentamente.
Não mentiu que me devorava em pensamentos
e que queria executar comigo proezas sexuais
as quais com nenhum outro homem realizara.

Apenas se calou.
Apenas se despiu.
Apenas se deitou.

Antes que adormecesse,
apanhei suas roupas,
vesti seu corpo mole,
matei suas esperanças
e extirpei suas cicatrizes
para fora do meu apartamento.

Virgínia, que não era minha
nem nada,
agora sofria suas angústias de ressaca
em outro lugar.
Até que encontrasse outra garrafa,
outro pênis que não a tivesse furado,
outra razão que expusesse seu valor vital
- nenhum.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caralho, que foda.