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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O amor parada cardíaca
que todo mundo traz à veia
pode causar encefalia
de que a própria morte serpenteia.

Tenho pra mim por breve instante
de paixão que ocorreu inusitada.
A morte, coitada, jazia tranquila
quando, então, a vida a deixou sem fala.

Não é sentimento humano
sobre o qual está se falando:
a vida culmina em morte,
que vem do nada - como a vida.

Trouxe na mão um buquê
e dentro de si uma tocha
que não escondia o propósito
para o qual vivia, desgostosa.

Cansara-se de ter cansado em todo o tempo.
Não que aquilo a trouxesse sofrimento,
mas conhecia, então, um sentimento diferente
daqueles que a corações solitários causava.

Era a mais nova vítima de todos os deuses
- os quais também caiam sob seu próprio encanto.
Mas não via em face de mais bela Vênus,
a formosura que a vida oferecia - até em pranto.

Fácil explicar, ateu incrédulo, a impossibilidade:
A vicissitude da vida da morte
não era agora de outra sorte.

Penava, a moribunda, e gemia por um amor lesbiano
que em vão sofria as pelejas sentimentais
que fardam as costas dos temíveis humanos.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Deixe-me cantar-lhe bonitos versos,
inerte mente que as leis da física despreza.
Como podem de figura quão indecente
figurar tão belos pensamentos em minha mente?

Cubra as partes como se não as quisesse
tê-las, por mim, todas desvendadas de tanta farsa.
Vê em mente os pútridos desejos que me assolam
e descobre com alvas mãos esse que te canta.

Macula-me ao rubor de tuas unhas
o pálido sangue que me faz erigir.
Não esquecendo que a circulação fadigada
seria completamente inútil sem ti.

Nua como vários outonos de uma única primavera.
Completamente despida das mãos dos outros,
das mentes alheias, da maldade que te carcome.
Minha, pelas suas duas primeiras noites de ferro
- e sangue.
Brotam farpas em minha mente,
alheias a qualquer vão de pensamento.
Mesmo de quem se ressente, por sentí-las,
não escapam as alvéolas mágoas da língua.

Uso o verbo no estado da trivialidade
como se a palavra fosse falsa como são
todas as impiedosas saias que resguardam
em si a maldade de um deus invisível.

A visibilidade, tal qual tudo, passa feito raio.
E, em um segundo de abertos os olhos,
passa-se tudo de realidade à ficção:
ávida, em Marte chegou à Terra, a vida.

Em três segundos destruiu tudo em que acreditava.
Resquícios de gentileza e amor-próprio destruídos.
A pá da doce fidelidade, que cavava o fértil terreno do amor,
agora dilacerava o cânio de infeliz indigente, sedenta de sangue.

Os versos marcianóides chegaram à Terra:
não sou humano, não sou terráqueo
- nem poeta.

Vê-se pelo tragar inútil de sonetos descompassados.
É que o coração em terra terráquea de Terra bate fraco.
Batem mais fortes as palmas que aplaudem o meu penar.

À força da dor cedera se ainda estivesse vivo - inútil dizer:
já se faz necessário figurar qualquer outra realidade.
Qual não a dos cabelos desgrenhados e da barba suja.

Vou à esfera de Marte buscar a vida que aqui não encontro.
Mas me acho o de sempre sem-terra, em Marte:
o desespero, eu sou, e não me encontro.

Já engulo as virgens vírgulas que me aparentavam belas.
Traço-as gemido a gemido e descubro sinais gráficos mais [virulentos.

Não eram tesouros, deuses meus.
Eram mágoas do futuro que passou.

Não era para mim, o sopro de vida que me fez fecundar.
Era, sim, para outro marcianóide.

Para outro que engolia as vírgulas sem notar outros sinais.

Para outro que vivia em Terra, vermelho como se vive em Marte.

Para outro que surgia das trevas. E ia à Luz.