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sábado, 26 de março de 2011

A minha barriga fala comigo.
Mas eu não escuto, não:
eu sou a fome do mundo,
eu sou o miolo do pão.

As pessoas me olham torto,
mas isto eu compreendo bem:
sou eu, mais bêbedo que tolo,
sou eu quem mais erros tem.

O inferno me rejeita impiedoso
- cá no meu canto, eu sossegado:
já fiz de deus um ser glorioso,
depois o fatiei em mil e um pedaços.

Os narizes ressentem o meu cheiro,
das bocas não satisfaço o paladar:
sou o mais suado dos sertanejos
e o mais salgado dos homens a beijar.


Eu sou do mau

sábado, 19 de março de 2011

O mundo existe
não sei por que diabos.
Eu existo
e você também.

Existe a natureza
- os pássaros, morros.
Existem os edifícios
- prisões e escolas.

Às vezes olhamos o céu
cheio de estrelas ou não.
Nublado ou não.
E tudo faz sentido.

Mas só às vezes.
Por que, na grande,
grande maioria das vezes
é tudo tão obscuro e sombrio.

O fato é que existe verdade
- ou eu acho que existe.
Como bem existe a mentira
- e dessa eu tenho certeza.

Às vezes - raríssimas vezes -
tudo se encaixa perfeitamente.
É assim quando eu te vejo
- mas só quando te vejo.

Às vezes - poquíssimas vezes -
as palavras fluem bem.
Tão bem que é quase depressa
e prescindem-se os travessões.

Por que, quando eu te toco,
tudo se esvai em rumores.
Quando eu te como, minha certeza
perde completamente o sentido.

Deixa de ser certa.
Passa a ser errada.
Passa a ser incerteza.
Mas não deixa de ser.

Do jeito que eu não queria
deixar de te comer.
Do porquê você já sabe:
eu preciso de comida.

Preciso de ar.
Preciso de café.
Preciso de sexo.
Preciso de carinho.

E você pode me dar tudo isso.
Só você que não sabe.
E eu não vou ensinar.
Por que só eu também não sei.

Mas podemos saber só nós dois
- do mesmo jeito quando você
fica de quatro no escuro,
esperando pela penetração.

É lindo e eterno
- ou ao menos lembro 'inda hoje:
suas nádegas  reluzem no escuro
como a lua. Como uma bunda.

Mentira: foi só vaginal.
Mas foi incrível.
Incrivelmente gostoso
e incompleto.

Por isso não tocamos as estrelas, vê?
A constelação não está lá em cima
para entender a humanidade
- ela é inteiramente irracional.

E é nisso que dá
querer tocar as estrelas:
perde-se seu brilho,
descobre-se o seu passado.

É assim quando eu te olho
- como se o firmamento tivesse um porquê
de estar sobre minha cabeça
enquanto eu quero te deflorar.

Mas é assim quando eu te toco
- como se todo teu brilho sumisse
e nunca tivesse existido antes em lugar algum
que não fosse dentro da minha cabeça.

Talvez seja isto mesmo. Seja assim.
Mas você não pode compreender.
Você não compreenderia.
Não posso ensinar uma estrela a brilhar.


Alessandra

sábado, 12 de março de 2011

Condeno-me pelas horas de ternuras
entre prantos e gozos vividas.
Por todas as tuas carícias mais duras,
por cativares em mim perene ferida.

Condenam-me por a ti amar demais
e a mim amar tão pouco
sem saber que são tão desiguais
os sentimentos e a mente deste louco.

Condenas-me com teus viciosos pruridos
por teu ventre rubro e maculado
que eu tanto tenho amado
que eu tanto tenho comido.

Condena-me a mazela maior de todas
que n'uma de nossas noites escrotas
roubei de teu sangue ignominioso.
'Inda hoje, em língua, sinto teu gosto.

Condenaste-me à morte.

sábado, 5 de março de 2011

Sinto saudades das palavras
que escrevi, que escrevo
e das que ainda hei de escrever
nos vãos eremitérios de minha vida.

A nostalgia das mortes e desmortes
que se fizeram de todas as minhas noites
não acodem à minha alma
nestes momentos nostálgicos.

São mais profundos e sinceros
os meus sacrílegos e pérfidos
elogios aos tempos passados
de minha vida mundana.

São mais intensos e sinceros
os meus momentos de amores
mais mundanos e profanos
de que um marciano se apraz.

São mais superficiais o meu ego,
minhas preces, minhas sutilezas
e minhas fragilidades amorosas
de que podem ver teus olhos.

Não sou esta pele que tocas ou
esta voz diagonal que invade tua mente.
Sou tais dedos que sentes em teus ventres
e nos ventres dos outros teus amores.
Perdi-me em teus braços,
em teus abraços,
em teus solstícios
do amor mais vadio.

Perco-me em teus modos
e em tuas maneiras
de me fazer encontrar a mim
no mais fundo de ti.

Perder-me-ei em nossos erros,
em nosso filho
em teu ventre.
Em nossos desamores.

Será bem assim sempre
ao seu lado.
Jamais - em minhas perdições -
poderei encontrar você.