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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Que é ser visto por outros
se não me vês com as vistas postas
sobre os estábulos em que extravio
as desvairadas ambições d'a vida minha?

Que é tocar outras peles, beijar outros rostos,
sorrir com outros sorrisos
– quais não o teu –
co'estes dentes que minha pele aspira
[na mordida mais louca?

Q'é viver tal vida mais corriqueira e mundana
sem correr os teus riscos, delirar nos teus caprichos
e sonhar c'os suspiros teus ao meu ouvido?

Q'é ter tudo no mundo e as coisas todas
se nem precisando de tudo estava eu
e só precisava mesmo de tua boca?

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Te ver.
Nunca mais te ver.
O que os meus tristes olhos hão de fazer?
Se não mais tua alva pele podem tanger.

Te ter.
Nunca mais te ter.
Nem deveria, este mancebo, dizer
que não pode - não mais - te possuir

se foi só de relance
foi só n'um instante
era só de partida
sem volta, só ida.

E eu ficarei com os mesmos tristes olhos
e longos versos que esperam sofregamente lentos
e ociosos demais por que já não podem cantar
as tuas formosuras de passado sábado à noite.

Quando o carnaval chegar novamente
estarei eu com a mesma gente
quando a máscara da alegria levantar
mas quando cair você não vai mais estar.

Não estará com teu plácido seio
em que eu, pueril, sossegava as vistas.
Nem com tuas coxas expostas, quase nua,
às vistas de todos que quisessem ter vista.

Restarão apenas as cinzas da quarta-feira
para marcar em minha memória a imagem acinzentada
de um amor que não durou
mais que suas chamas permitiram.


Te ter? Nunca mais te ter.

sábado, 22 de setembro de 2012

O homem é muito mais
aquilo que parece aos outros
do que o quê realmente é
para si mesmo.

Se a si se faz com muitos
elogios, vaidades e virtudes
e não apetece à frieza da alma
das pessoas que mais o valham

não vale a estima que tem
de suas cabeças inanimadas
por que vive numa terra sozinho
- vive numa terra do nada.


Mórbido filósofo a andar o rabo pelas estradas da vida

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Inspiração de coletivo
são teus lábios
em que desço a cada parada,
em que suspiro a cada descida

são tua boca sinuosa
- mais que as curvas do caminho -
e teus cabelos desgrenhados.

Inspiração de coletivo
são teus tenros sonhos
que melindras entre um deslize e outro,
entre um cochilo e outro

entre um passageiro e outro
que no meio de tanta aflição
encontra em teu seio a paz
[que não encontra quando pisa o chão.
Teu busto é o labirinto de meus anseios
de onde não há saída:
só me perco.

E esse erro
é o que há de mais na vida:
é o acerto

do fim das contas
ou do fim do mês.
Do começo ou do fim dos dias de uma reles vida burguês.

quarta-feira, 25 de julho de 2012


Se o ópio durasse tanto
quanto dura a sobriedade
não seria eterna a tristeza
seria mais tenra a saudade

Que o amor é o logro do povo
e é também de todo o agouro
que agonia as almas amantes
quando é chegado o sóbrio instante

Que o amar é drogar-se
envenenar-se
contaminar-se
condenar-se

Se à mente - e ao resto de todo o corpo
açoita - a duras mágoas -
o tal sentimento interrompido
antes que se tenha um outro castigo
[mais letal

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Brindemos!
À felicidade da raça
e para infelicidade de todas as mães
as glórias todas obtidas hoje
que brindaremos à noite com os cães.

Saltemos por nossos pés
pelos salões afora
que nem só de deus são dignas
todas as honras, os louvores e as glórias.

Também pertencem aos homens
- raça de benigna força!
Que a suas mulheres trepam e semeiam
- quer elas queiram ou seja à força:

do estratagema
da fama
da lábia
da grana.


Hoje Não é Sexta-Feira

domingo, 15 de abril de 2012

Há muito não escrevo.
Nessas luas de decadência ignóbil
em que a vida parece tão importante
eu me perco.

Perco os sentido de outrora
- tão aprazíveis e regozijantes.
Perco a gramática, a sintaxe das coisas.
Perco-me até na grafia das palavras.

Não sou eu mais o mesmo
- quimera se ainda o fosse.
Sou outro muito mudado
- sem verbo, sem faca, sem foice.

Até as antigas rimas se foram
nos ventos sórdidos de mundana vida
que peleja, realiza e se engrandece
mas não faz o que mais a agradaria:
não escreve.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

É preciso ter pressa
pra correr até as colinas
e não tropeçar na esquina
nem na língua da vizinha.

É preciso não tardar a chegar
à idade dos sábios homens
em que só a mais torpe ideia
pode persuadir-lhe ao engano.

É preciso acertar sempre
e fugir do erro a qualquer custo
é tão preciso quanto todas
as errôneas necessidades.

Só não é preciso o beijo
- navegação de duas línguas alheias
pelos mares salivares das almas
que velejam torpemente.

Não é precisa a caridade
da doação pelo simples ato
e pelo simples e tenro fato
de a boa ação ser em troca de nada.

Não é preciso o sentimento
que nos confunde e nos embriaga
- transformando até o mais sensato momento
em mais um tresvario da alma.


Eu Preciso

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Quem vê a letra não pensa
que o que se sente é o que se lê
e também sempre se esquece
do que se esqueceu de antever.

Não é possível entender o mundo
- escrito, falado ou tocado.
O esforço é sempre suburbano
diante do limbo que se tem alçado.

Mas as inteligíveis sensações nem sempre
compensam a mente daquilo que se pensa
que se entende quando se quer e se esconde
no braço jazido de um qualquer.

Por que o mais valioso de tudo que há
está escondido por entre as entrelinhas
e a verdade mais oculta que existe
está exposta às mais cegas vistas.


As Nossas

domingo, 22 de janeiro de 2012

Meus olhos não se enganam:
eles sabem que é você
o motivo por quem tanto reclamam
que ainda não te podem ver.

Os meus pés estão sempre certos
e eles seguem os teus rastros
mesmo em meio ao campo aberto
são sobre os teus os meus passos.

Meu falo por ti fala
ansiando por teu ventre
quando a noite vem e me cala
não é o teu fogo que ele sente.

O tempo é sábio e não pára
mesmo quando estás ausente
com ciência de que virá a hora
de que em ti serei presente.


Patientae

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Uma nota à toa soou do violão
quando eu o levantei pela mão
dizendo que o dia estava vazio
e quem me viu debochado nem riu

de minha piada inane
de meu gesto imóvel
de meu olhar tardio
de minha face decrépita.

Foi por desatino,
foi por desengano,
foi por injustiça mesmo
foi-se mais um ano.


Lira dos 21.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Olhos pelo avesso
- está tudo acabado.
Se bem que onde termina
também recomeça o pecado

que a pele inflama a chama
e de novo reaquece
quem de comida requentada carece
e recome o que já havia deglutido

n'outras tragadas já esquecidas:
razão de parecerem ser novas
as velhas ações jazidas
nas mais diversas camas

e em lençóis tão velhos
e tanto, tanto esquecidos
que nem mesmo o tempo lembra
de o crime ter acontecido.


Amar é Crime

domingo, 8 de janeiro de 2012

Poesia passional
seja elevadíssima ou carnal
começa sempre
na cabeça do pau.

Mas não é como esperma
que expira após o gozo
pois vive eternamente
após esporrada no olho.

Nem é como urina
que começa pela boca
em uma indelicada sina
pelo corpo até a uretra.

Muito pelo contrário:
desenvolve-se trás-pra-frente
fazendo qualquer otário
suspirar como um demente.

Vai-se subindo pelas tripas,
contaminando todo o corpo,
macula um pulmão e depois
fode com o coração.

Tem-se de ser escroto
para suportar a malfazeja
que tortura o corpo todo
e só sai pela cabeça.

De dor, é um processo excessivo
pois mesmo depois de muito tempo
a escrever em tamanho desalento
sempre resta em mente um vestígio.


Poesia Passional