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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Se eu pudesse apenas um pedacinho da pele dessa mulher
mesmo que fosse pela brecha
do meu mais volúvel pensamento.

Se eu pudesse uma porçãozinha das douradas madeixas
que desfilam pelo invisível vento
sem nem tocar as minhas queixas.

Se eu pudesse seus olhos, seus lábios e sua voz macia.
Ou mesmo o seu cruzar de pernas
que meu olhar tanto acaricia.

Se eu pudesse tê-la e amá-la, fazê-la possuída e amada
nunca seria escrita esta dura palavra:
quimera! - que na língua do meu desejo amarga.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O mundo não liga para as suas dores.
Supere-as e vença.
Ou sofra-as todas e seja derrotado.
Derrotado pelo mundo.

Por este mesmo mundo que te cerca
com tantos sorrisos e boas educações.
Por este mesmo mundo que te come
e joga os ossos aos ladrões.

Aos ladrões famintos que têm fome de tudo
que habitam seu terreno, habitam seu terreiro,
habitam seu interior e habitam todo o resto
deste mundo desmundo.

Não é preciso sorrir, nem sentir alegria
- saiba, seu jovem e cretino inumano.
É preciso ser pisoteado pelos sete céus,
sacaneado por deus e pelo diabo.

Imprescinde se sentir sujo e mal cheiroso,
coberto de tudo que há de mais podre até o pescoço,
mendigando esta mesma esmola arredia
pela qual nos maltratamos e nos desamamos, dia a dia.

Indispensável é fingir que gosta de ser esmurrado
ter os dentes todos da boca arrancados
e o nariz partido em dois, quebrado.
Só assim para se sentir deste mundo.

Deste mundo que te quer como um ladrão,
roendo as migalhas que o deus rico joga ao chão
que são os restos de quem não se rendeu
às duras penas da lei terráquea.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

- Boa tarde.
- Já é tarde?
Pensei que fosse mais cedo.

Cedo ao ponto de ficares mais um pouco
e tomares um café comigo
enquanto discutimos as coisas boas da vida.

Até que, de fato, seja tarde.
Tarde demais para ires embora
e me largar junto a meus devaneios solitários.

Tarde ao ponto de perdermos nossas boas maneiras
e nos despirmos deseducadamente
como se nunca fosse cedo ou tarde para isso.

sábado, 16 de outubro de 2010

Quero alguém para foder.
Só foder.
Não quero que me sinta
o homem mais perfeito da terra.

Nem que se sinta a mais desejada,
macia, gostosa e perfumada mulher.
Mas sinta prazer.
Apenas que sinta.

É pedir demais?
Deus é perfeito.
Fez-nos suficientes
paus e bocetas.

Ajamos, então, como Ele quer
e como o Diabo gosta.
Assim, feito homem e mulher.
Como Adão fodendo Eva de costas.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010


Virgínia lançou-se a mim, quart'adentro,
com seus trinta e dois quilos de pura
elegância, minissaias e pequenas blusas
escolhidas em desacordo com o soutien
- nunca presente.

Eu, em mais um dos meus etéreos momentos
de ódio e ode ao mundo,
não prestei muita atenção aos seus cabelos,
mais sujos que de costume,
e às cicatrizes mais recentes,
que se vinham acumulando ao longo do pulso.

Não era uma garota triste,
eu bem sabia.
Só não gostava muito da vida
ou achava isso.
Perdia-se todo, seu senso de existência própria,
quando não se dava aos bares, às esquinas.

Virgínia, que conheci ainda menina,
agora era rejeitada pelo mais ignominioso
bêbedo de toda a cidade.
Não eu.
Vinha a mim sempre em busca de cama,
comida ou drogas.
Nunca por sexo, banho, diálogos
ou outras delicadezas tais.

É. Não era por completo imperfeita.
Aprendera com a vida bandida
que coxas, vaginas e peitos falam mais
que garganta, língua e lábios.
E que esses últimos podem ser usados
para ofícios mais proveitosos.

Desta vez não me trazia a agitação
dos lugares, dos sons, dos pênis
pelos quais passava.
Às vezes era mesmo contagiante
vê-la adentrar meu humilde recinto
portando aquele sorriso imodesto
de quem é pura e simplesmente felicidade
- que muitas pessoas sustentam
na cara.

Havia consigo apenas a resignação
à inevitável depressão
que se sente após dias ou semanas
de abuso dos prazeres mundanos.
Que é como se a vida toda se tivesse ido
ao curto desses longos dias e noites
e não restasse mais o que fazer,
a não ser espreitar a morte
- tarefa de todos nós.

A Virgínia, talvez, nem mesmo isto
restasse.
Não disse que meus textos a apraziam,
enquanto fingia que os lia atentamente.
Não mentiu que me devorava em pensamentos
e que queria executar comigo proezas sexuais
as quais com nenhum outro homem realizara.

Apenas se calou.
Apenas se despiu.
Apenas se deitou.

Antes que adormecesse,
apanhei suas roupas,
vesti seu corpo mole,
matei suas esperanças
e extirpei suas cicatrizes
para fora do meu apartamento.

Virgínia, que não era minha
nem nada,
agora sofria suas angústias de ressaca
em outro lugar.
Até que encontrasse outra garrafa,
outro pênis que não a tivesse furado,
outra razão que expusesse seu valor vital
- nenhum.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Lá vinha aquele par de olhos,
como os olhos do carrasco
que me vinha arrancar a cabeça
de cima.

Não sem suas protuberâncias
descomunais, que se amontoavam
no tórax, em forma disto
que alguns chamam peitos.

E como eram lindos.
Grandes, roliços, firmes e macios.
Suas pupilas, como aréolas vibrantes,
envoltas do verde obscuro de suas íris.

- Não sou daqui - repeli aquela visão
ardente do paraíso.
Sou de onde a serventia do corpo
é só o pecado.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Anáfora

Anáfora.
Ana fora.
Amar fora.
Amar afora.
Amar a forca.
Amor dá força.
Anal à força.
Anal afora.
Anafo rá!
Anáfora.
Ana, a!
Ana.
An?

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A minha barriga fala comigo.
Mas eu não escuto, não:
eu sou a fome do mundo,
eu sou o miolo do pão.

As pessoas me olham torto,
mas isto eu compreendo bem:
sou eu, mais bêbedo que tolo,
sou eu quem mais erros tem.

O inferno me rejeita impiedoso
- cá no meu canto, eu sossegado:
já fiz de deus um ser glorioso,
depois o fatiei em mil e um pedaços.

Os narizes ressentem o meu cheiro,
das bocas não satisfaço o paladar:
sou o mais suado dos sertanejos
e o mais salgado dos homens a beijar.


Eu sou dou mau