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sábado, 7 de novembro de 2009

Duas punhetas por noite

A vida andava uma merda. Eu nem sabia mais quem eu era, ou se eu era. Já era a terceira viagem no período de um ano e, o que eu estava procurando, não achava. Não me encontrava, não importa o que fizesse.
Na rodoviária era a mesma coisa de sempre: muita gente pra pouca pessoa. Todo aquele balburdio me deixara um tanto atônito, ou seria a cafeína no meu sangue? Passava por entre aqueles corpos inanes, que não paravam de se mover. Entrava nas lojas e saía com tudo o que havia entrado comigo, afinal, os trinta mangos no meu bolso tinham endereço certo - eu apenas não sabia qual era.
Discuti com um senhor que chamara os baianos de incompetentes:
- Eu sou baiano, e sei como é – dizia o velho.
E, logo, a frase que explicava a minha expressão de desprezo.
- Eu sou médico, e sei como é.
Estava tudo terminado: aquelas poucas palavras puseram um fim instantâneo em nosso efêmero relacionamento. Resolvi acabar com aquele inferno e embarcar de uma vez no meu ônibus, fugindo daqueles seres horrendos – a salvo umas poucas bundas e peitos que anuviavam meu sacro espírito. Minha ilusão terminou quando encontrei mais gente no meu carro – público – das dez.
Logo entrei e sentei-me na última poltrona, como de costume. Estar atrás de todos era, para mim, uma situação mais sexualmente aceitável. O motorista dava início à minha partilha – arrefecia a minha culpa por estar fugindo novamente – e, apesar disso, eu ainda esperava que uma loura de seios fartos e firmes entrasse, atravessasse o longo corredor com seu olhar aterrado no meu e sentasse ao meu lado, até então vago. Isso não aconteceu, enfim.
À primeira parada foi só café. Desci antes que o motorista o fizesse e me dirigi à primeira bancada que encontrei.
- Vocês vendem garotas de bordo aqui? – eu não perguntei isso.
Lá se iam alguns dos meus trocados. Só voltei ao ônibus depois de duas doses, seguindo o motorista que, se eu tivesse uma aparência mais amena, teria sido cortês ao me convidar ao reembarque. Não o foi, e eu subi assim mesmo. Sentei no meu vago lugar duplo e aguardei até a próxima parada, ansioso por mais uma xícara.
A estrada parecia cada vez mais longa e monótona. Meu corpo era sacudido de um lado a outro e meus olhos se concentravam na mesma cor amarela da faixa que dividia a estrada em dois mundos simétricos e distintos. Não sabia qual era o meu lado e até onde aquele mundo me levaria. Foi então que o veículo seguiu para mais uma parada e eu comecei a ter uma idéia do que me aguardava.
Desci só depois de o motorista afastar-se uns poucos metros: não queria que ele notasse minha presença – eu poderia parecer-lhe um péssimo passageiro. Não adiantou. O bendito me flagrou estuprando, a goles abruptos, um copo de café.
- Você bebe muito café. Zorra!
Não era uma indagação, ainda assim atrelei:
- É. – surpreendi-me com a sua capacidade psicanalítica.
- Não atrapalha dormir?
- Dormir é perda de tempo – tentei, com essa expressão fútil e ignóbil, transformar aquele diálogo em um monólogo do qual eu sairia vitorioso. Falhei mais uma vez.
- Mas todo mundo precisa dormir. Você sabia que uma noite de sono não se recupera...
Deixei-o sair imponente da minha humilde tragédia grega e aguardei até que ele terminasse aqueles balbucios monossilábicos de quem não tem o que fazer e, por isso, fala. Quando sua boca apresentou-se imóvel, seus ouvidos pareciam ansiar por uma réplica. Como tal não foi obtida, seus pés – que funcionavam melhor que sua língua – dirigiram-se de volta à primeira poltrona do coletivo, como se todos os seus órgãos e membros tivessem uma programação robótica e moto-contínua.
No voltar ao meu assento, entretanto, visualizei algo que a mim parecia inconcebível. Não era uma loura pneumática, verdade. Era uma morena tanto franzina, de olhar quase perdido no enorme mundo que NÃO era aquele carro de quarenta e poucos lugares. Nem tinha abundância de mamas, mas duas pêras aparentemente sensíveis aos olhares mais devassos, como o meu. O resto, não consegui visualizar – ainda – mas desejava, veementemente, apalpá-la assim que apresentasse o menor indício de adormecimento.

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